Falta-nos a inteligência emocional, porque a artificial parece que temos de sobra.



Vivemos numa época de efemeridades. Deixou-se de ter tempo para viver uma vida real, para se construir uma vida virtual: uma imagem polida, interessante, misteriosa e credível. As fotos revelam as nossas companhias, a agenda social, o círculo de amigos, as relações incríveis e felizes que temos. Os nossos melhores sorrisos, escondendo as mágoas e tristezas não resolvidas. Os nossos olhares mais intensos, escondendo os receios e a solidão instalada. As publicações que fazemos revelam o nosso sucesso, as conquistas, e as perdas heróicas. Revelam tudo, inclusive a forma de pensar. E é aí que as incongruências surgem, porque a dissonância entre o que se publica e aquilo que realmente se pensa, é gritante. Enaltecem-se as qualidades físicas, porque parece que é a única coisa que realmente importa quando se fala em atração. São, diriam alguns filósofos, os reflexos narcísicos da humanidade. É, quanto a mim, o principal cancro da humanidade: um ego doente, deformado e metastizado, camuflado com um narcisismo estaladiço e superficial. É a pura ausência de valor-próprio que só consegue ser alimentado pelo feedback dos outros.
Vivemos numa época em que se é prisioneiro de aplicações sociais, como um escape à vida enfadonha e à rotina implementada e mantida por comodismo. Mulheres e homens procuram a adrenalina e casos esporádicos para se sentirem bem consigo próprios. A traição virou normalidade. A mentira virou norma. Vive-se em função da promiscuidade ao mesmo tempo que se proclama, a alta voz, a moralidade ao seu mais alto nível, acompanhada sempre de uma fotografia sensual ou de uma citação pertinente mas descontextualizada. São hipocrisias de quem se tornou numa máquina de engate e adotou como estilo de vida a dita liberdade sexual.
Antigamente, existia a Playboy para se ver fotografias de mulheres nuas. Hoje, basta abrir as redes sociais para apreciar corpos desnudados e vistosos, com uma clara mensagem subentendida.  Também a metrossexualidade assumiu novos contornos: a aparência virou cartão-de-visita do caráter. É completamente falível, mas vive-se nesse mundo de faz-de-conta como se não houvesse outro.
Conhece-se tanta gente e, no fundo, nem sabemos quem realmente são. Acompanhamos as suas vidas e tendemos a mostrar tudo o que fazemos, num ato de partilha pseudo-altruísta. Não queremos ficar atrás do outro. Queremos mostrar o quão interessantes somos, sem termos realmente nada para oferecer.
Mais do que uma crise de valores, vivemos numa crise de identidade. Deixámos de saber quem somos, para desejarmos ser o que o outro é, e termos o que o outro tem. Os "influenciadores" de opinião e de produto invadem-nos a mente a dizerem-nos maravilhas sobre uma determinada marca, com benefícios que nunca obteremos. Mas se "eles dizem que sim, é porque sim". A nossa opinião deixou de ser argumentativa para ser comum e ordinária. Deixamos de fazer o que nos agrada, para fazer aquilo que agrada o outro. Transformamos os nossos corpos, não para nos sentirmos bem connosco próprios, mas para deliciarmos as vistas de outrem que, como reconhecimento, nos atiram elogios depravados e iniciam rituais de sedução velhos e desgastados que só levam a um fim.
Quem somos nós, afinal? No que nos estamos a tornar? Talvez sejamos um produto deformado da era digital. Estamos conectados virtualmente e desconectados da nossa essência. Deixamos, cada vez mais, de ser humanos para sermos máquinas moldáveis e empobrecidas, alienadas e reduzidas a opiniões e crenças construídas e disfuncionais. Falta-nos a inteligência emocional, porque a artificial parece que temos de sobra.

© Laura Alho

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