O ponto de viragem



Sei que o tempo urge e que estou a cair. Preciso de mergulhar de cabeça para chegar ao fim da queda rapidamente.
Sei que em cada fim há um novo recomeço e que cada recomeço antevê um fim, que se espera longínquo.
Sei que a felicidade é um conjunto de momentos e de pessoas que tornam a vida incrível, mas não sei porque são esses momentos tão efémeros e descartáveis.
Sei que quero sempre mais. Até ao fim.

Sei que vivo com um propósito bem definido mas não sei exatamente quem sou. Às vezes perco-me dentro de mim e, num momento de lucidez, reencontro-me. Sei que ontem fui uma menina e hoje sou uma mulher em transição para uma versão que idealizo mas que não tenho a certeza se algum dia chegará ou se permanecerá para sempre um projeto inacabado. Não sei quantas versões existirão de mim durante esta minha passagem, mas sei que haverá traços comuns a todas elas.

Sou de extremos. Tenho uma natureza explosiva e estou a aprender a ser comedida e intensa, sem ser destruidora. Mas, de vez em quando, lá me escapa uma labareda ou uma lava incandescente...
Apesar das minhas antíteses, sou essencialmente boa, mas sinto que as minhas bênçãos são também as minhas maiores angústias: sei demais, sinto demais, evito o inevitável e desafio a lei natural das coisas. Falho redondamente na demonstração de emoções e sentimentos, a menos que encontre quem me saiba ler (e não deduzir). O que habita em mim não está acessível a quem apenas fica pelas camadas superficiais da pele e da alma.
Hoje em dia, ninguém se interessa em despir o outro na alma. Fica-se pelas roupas e pelos toques carnais, cujos recetores são diferentes diariamente. Ninguém se interessa em investir em alguém, com todos os seus defeitos e qualidades, porque isso dá trabalho e é mais interessante despertar a adrenalina com a diversidade ao redor.
Sei que nem toda a gente é assim, mas o desencanto é grande.

Aprendi que jamais me devo anular em prol dos outros. Houve alturas em que o fiz, crente que era o correto a fazer, mas o tempo e as minhas cicatrizes foram os meus melhores professores.
Sou naturalmente ingénua. Acredito no que vejo de melhor em cada ser humano. Mas, a partir de uma certa altura, comecei a perceber que as pessoas têm ritmos de evolução diferentes e que algumas delas, nunca vão sair do mesmo nível. É como se tivessem encontrado um ponto-rebuçado, que as faz sentirem-se bem, não almejando nada mais além do que já possuem nesses meandros instantâneos. Vivemos, pois, numa época de síndromes e complexos: Peter Pan, Cinderela e Tinderela. Todos confundem maturidade e responsabilidade com desejabilidade social: diz-se o que se quer ouvir, faz-me o contrário do que se diz. Todos querem ser maduros, todos exigem do outro, mas ninguém gosta de assumir a sua responsabilidade. Poderá alguém ser realmente feliz assim? Se calhar, pode. E, nesse caso, que inveja eu tenho em não ser feliz com tão pouco esforço.
A verdade é que não acredito em nada disto.

Deixei de acreditar. Deixei de viver em função de arquétipos sociais.
A única coisa que me guia são os meus sonhos. Entre desvios de percurso e experiências novas, eles continuam a ser meus e a pulsarem dentro de mim. Guia-me a intuição que, candidamente, me diz quando é a altura de avançar ou me alerta quando estou a desinvestir em demasia de algo que me pertence por direito. O medo não me impede de prosseguir, mas a ilusão de ainda ter muito tempo, sim. E a verdade é que o tempo é curto de mais para gastá-lo inconsequentemente. E eu tenho-me dado a esse luxo, que me vai custar caro.

O que procuro verdadeiramente é o oposto do que encontro por aí. Mas sei que vou encontrar, um dia. Sei que não há hora certa nem errada, nem cedo ou tarde demais. Há, sim, a decisão do coração e o momento de sincronia perfeita com o universo. Aquilo que é raro é ainda mais especial. Ainda que invista toda a vida nessa demanda, sei que, depois do ponto de viragem, não há impossíveis que me travem. Porque na vida só há uma coisa que realmente vale a pena: saber que não passou em vão e que tivemos as pessoas certas do nosso lado.

© Laura Alho

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