Inutilidade
Há dias em que não nos apetece fazer rigorosamente nada. Até aqui tudo bem. Uma vez por outra é natural que nos sintamos cansados do quotidiano e que precisemos de um dia de sorna. O problema existe quando estes dias sucedem-se, quando a apatia instala-se, quando a preguiça fala mais alto. Não consigo perceber como é que as pessoas se rendem tão facilmente. Talvez porque a vida que levam não lhes apraz.
- Qual é o teu maior medo?
- A solidão. - Respondeu-me.
- O meu é a inutilidade.
- É... também me sinto inútil. Mas acho que prefiro ser uma inútil a uma pessoa só.
- Eu cá prefiro não ser nem uma coisa nem outra. Sabes que estes medos podem ser contrariados.
- Eu sei. Ao invés de estar aqui enfiada em casa, posso muito bem sair.
- Precisamente. E ao invés de nos sentirmos inúteis, podemos fazer um milhão de coisas para nos ocupar o tempo e a cabeça.
- Eu sei.
- E então? Nenhuma iniciativa?
- Prefiro estar a assim, sem fazer nada, aproveitar os dias de folga. Faz-me ter a sensação de que o tempo não passa, de que a minha vida está suspensa até eu tomar uma decisão.
- Pois é, minha amiga. Mas o tempo não pára e quando deres por ela, já pode ser
demasiado tarde.
Levantei-me na tentativa de a fazer acordar para a vida. Convidei-a para sair e para aproveitarmos o pouco tempo que estamos juntas. A resposta foi:
- Oh, não em leves a mal. Eu prefiro estar aqui enrolada à volta do cobertor a ver televisão. Não me apetece mesmo sair com este frio.
Assoei-me pela trigésima vez na última hora. A gripe estava a dar cabo de mim.
Despedi-me dela e saí, directa para casa. Quando cheguei, um monte de trabalho esperava por mim. Seria mais fácil se eu me deitasse e ficasse o resto da tarde sem fazer nada. Com o corpo doente, até saberia bem. Mas as coisas fáceis nem sempre são as mais aprazíveis e, portanto, meti as mãos à obra. Ao final da tarde, a febre turvava-me os olhos e o meu corpo clamava descanso. Uma refeição ligeira, um chá quente com mel, a medicação adequada e o merecido sono dos justos, certa que o dia não foi, de todo, inútil.
Com tanta coisa nova para experimentar, num espaço tão curto de tempo e de vida, não percebo como as pessoas se deixam invadir pelo comodismo.
A inutilidade assusta-me. A minha e a de quem me rodeia.
Comentários
Mesmo quando nos apetece desistir e a preguiça e o medo nos invadem, há sempre tanto por que lutar...Por isso esperança e coragem para as dificuldades mas nunca o conformismo. Julgo que devemos procurar ser mais do que simples realizações em potência. Temos de lutar por nos tornarmos actos e não intenções pendentes!
Beijinho, Mia***
Obrigada, tenha um maravilhoso ano, bjo.
Um beijo.
COncordo plenamente com o que tu dizes. Só acho que essas paragens não são inúteis, são necessárias ao nosso equilíbrio.
A inutilidade a que me refiro é à acomodação a um estado de espírito apático que não permite fazer nada, além de estar em casa e de se lamentar.
Seguir impulsos é precisamente o oposto da apatia e creio, da consequente inutilidade.
Beijinhos ***
Beijinhos para ti que não és nada inútil, nem com gripe, e escreves muito bem!
Tomara o Verão...
Beijinhos,