Conversas Informadas: Psicoterapia HBM



Depois de vos ter lançado o desafio na página do facebook para proporem temas a serem abordados, recebi vários emails com propostas tão interessantes que tenho que agradecer o vosso interesse em promover a interação e o esclarecimento informado sobre determinados assuntos.

Assim, o primeiro tópico levantado por um seguidor a ser apresentado nesta rubrica, que decidi denominar de “Conversas Informadas” é sobre a Psicoterapia HBM.

Em primeiro lugar importa referir que a sigla HBM significa “Human Behavior Map” (Mapa do Comportamento Humano). Este método tem gerado discussões controversas relativamente à eficácia do mesmo. Dentro da comunidade de profissionais de saúde mental e psicoterapeutas, há quem nunca tenha ouvido falar de tal método e há quem tenha ouvido mas não saiba explicar claramente em que consiste, o que é normal porque, após uma rápida verificação, é possível constatar que apenas um conjunto de profissionais (os que desenvolveram a técnica e/ou estejam ligados à clínica que a utiliza) saibam exatamente em que consiste e como aplicar.

Devo esclarecer desde já que a psicoterapia HBM é vendida como tendo um nível de eficácia elevado (que, em boa verdade, em muitos sites consultados se pode ver que se trata de níveis de satisfação dos clientes e não níveis de eficácia do modelo). Atrevo-me ainda a acrescentar que os testemunhos que li são dúbios e pouco exatos, pelo que qualquer informação sobre a real eficácia permanece desconhecida.

Segundo o criador desta alegada psicoterapia, a HBM tem uma associação direta com o uso de técnicas de hipnoterapia (Morfese, técnica de indução do sono) e a Programação Neurolinguística (Athenese), o que pode parecer extremamente apelativo para quem não tem conhecimento sobre a baixa fiabilidade destas técnicas. Trabalhando na investigação científica, posso apresentar-vos uma grande quantidade de estudos que tem demonstrado a falibilidade destas técnicas e os efeitos contraproducentes em terapia, tais como os efeitos da sugestionabilidade, a implementação de falsas memórias e o uso de âncoras ou técnicas de reprogramação neurolinguística cujos efeitos não se revelam duradouros. Ao existirem falhas desta natureza, deverá haver uma enorme reserva na sua utilização. Não quer dizer que, em determinadas pessoas e em determinados momentos, as técnicas não possam surtir efeito, mas estamos a falar de uma percentagem residual. Estudos publicados a partir da década de 70 têm vindo a comprovar esta capacidade de manipulação e/ou persuasão com o uso destas técnicas.

Ainda assim, resolvi refinar a pesquisa sobre o HBM, tentando encontrar estudos científicos que validassem esta psicoterapia. Não encontrei um único estudo publicado numa revista com revisão cega, com fator de impacto e num bom quartil. A maioria das pessoas não percebe o que isto significa mas, em traços gerais, quer dizer que não há nada desta psicoterapia que esteja publicado e que seja relevante para a comunidade científica ou para a população em geral. As únicas publicações que encontrei foram no Correio da Manhã e noutros jornais cujo objetivo não passa só pela transmissão de informação, mas principalmente pelas vendas e pelo sensacionalismo inerente.

As únicas informações aparentemente “relevantes” e que demonstram a tal eficácia são as que os próprios profissionais que registaram a patente fazem, usando boas estratégias de publicidade, com referência a resultados que rondam “90% de satisfação dos seus clientes”. Quando vejo este tipo de resultado bem gordinho, fico desconfiada. Estes dados representam a parte falaciosa da Estatística, que ao espremê-los com critérios específicos, não têm qualquer significância.

É importante salientar que, ao contrário do que muitas pessoas ainda pensam nos dias de hoje, a Psicologia já se demarcou da definição que tinha quando estava no berço e ao cuidado da Filosofia. E esta ideia errada deve-se, por exemplo, ao facto de professores de filosofia lecionarem psicologia no ensino secundário (o que é perfeitamente descabido e dará para outra reflexão em momento oportuno). O que interessa apontar aqui é que a evolução da Psicologia passou pelo estudo extensivo do comportamento humano, com recurso ao método científico e técnicas baseadas em evidências, analogamente ao que acontece com as outras ciências. Os profissionais que ousam criar uma nova abordagem, denominem ela de psicoterapia ou não, devem estar conscientes que só fará sentido dá-la a conhecer quando se tem dados concretos e fidedignos para apresentar em relação à mesma, assim como a apresentação de limitações, constrangimentos e linhas de orientação. Geralmente os resultados espetaculares numa abordagem sem qualquer fundamentação são um engodo (diria mesmo uma fraude). Os “verdadeiros” psicoterapeutas conhecem bem as dificuldades, progressos e retrocessos de uma psicoterapia baseada em evidência e em modelos cientificamente validados, o que não é o caso da HBM.

Finalizo, acrescentando que a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) emitiu um parecer em novembro de 2018 sobre esta alegada Psicoterapia, onde se lê, em jeito de conclusão que “[…] as ciências psicológicas não reconhecem, utilizam ou recorrem à Psicoterapia HBM”. Para quem tiver interesse em ler este parecer, fica aqui o link.

Se depois desta exposição continuar com curiosidade em experimentar este pseudo-método, deve tomar a decisão em conformidade com a sua consciência, sabendo de antemão que a entidade máxima que regula a nossa prática profissional não o valida. A investir na sua saúde mental, faça-o de forma consciente.

Até à próxima “Conversa Informada”!

Laura Alho

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