Beleza
A vida diária num hospital é tudo menos agradável. Asseguro-vos disso.
Embora haja momentos de verdadeiro prazer e de surpresas agradáveis, a luta constante contra as doenças e a falta de carinho - no verdadeiro sentido da palavra - para com os doentes, torna os hospitais um local impessoal e do qual todas as pessoas querem sair o mais depressa possível.
O que deveria ser um sítio para se ir buscar Saúde, é considerado um sítio para morrer. Quem vai para o hospital, não vai de ânimo leve. Nem poderia.
Há médicos e enfermeiros excepcionais. Preocupam-se com o bem-estar do doente e até vão mais além das suas funções profissionais: são humanos. Conversam, acariciam, dão palavras de ânimo a quem precisa delas. Há outros profissionais que julgam que por usarem batas são superiores a tudo. Incluindo às doenças. Mas isso há em todo o lado e em todas as profissisões. Considero, no entanto, que quem trata de doenças, isto é, quem pretende salvar vidas, devia importar-se com a pessoa propriamente dita. Não é fácil trabalhar num hospital, mas se foi a profissão escolhida, há que exercê-la o melhor possível.
Num dia de trabalho, estive com uma senhora com os seus 83 anos de idade. Bem vividos, com alguns excessos, com imensas alegrias mas com cicatrizes que só ela sabe o que custaram a sarar.
- Laurinha, que prazer voltar a vê-la. - Disse-me quando me viu a entrar.
- Então, doçura! Como está hoje?
- Estou bem. Este quarto dá para o parque. Sempre oiço os passarinhos.
Pormenores pequenos que quase ninguém dá por eles. Só mesmo quem está no hospital há semanas.
- Que me trazes hoje para o pequeno-almoço?
- O habitual. Mas tem direito a um bocadinho de compota no pão.
- Ahhh... Isso sim, é uma boa notícia. - Riu-se.
Verifiquei se estava tudo em condições e certifiquei-me que ela estava na posição certa para comer. Ia falando com ela, nos entretantos.
- Hoje está com uma carinha óptima! Está muito bonita!
- Ora, eu sempre fui bonita!
Ri-me com a expressão dela.
- Tem razão. Mas eu só lhe conheço esta beleza.
- Ai, menina. Sabe que eu agora sinto-me mais bonita do que quando tinha 40 anos?
Escutei-a. Sabia que ela ia repetir a história de sempre. Mas fazia-lhe bem. Contar-me aquilo era como um bálsamo tónico para o seu dia. Quando eu saía dali, tinha a certeza que ela suportaria qualquer tratamento com um sorriso nos lábios.
- Sempre tive muitos pretendentes. Mas não era por ser bonita. Era porque era uma moça trabalhadeira. Desafiava tudo e todos. Cozinhava como ninguém e era muito popular. Sabe que os casamentos eram muito diferentes dos de hoje. Antigamente a beleza era uma coisa secundária. Havia quem estivesse prometida desde nascença e havia quem escolhesse o companheiro pelas qualidades que tinha. O que é certo é quando isso acontecia era para toda a vida. - Fez uma pausa para trincar um pedaço de pão com compota. - Eu não era nada bonita. Tinha uma pela sedosa, mas os meus traço eram duros. Mulher do campo, está a ver? Não eram traços como os seus! - Riu-se. - A idade ameniza as pessoas. Ameniza a dureza da vida. Sabemos que a morte vem ajustar contas connosco. Mas já não nos assusta. Chega-se a uma determinada idade e sabemos que ela vem, sorrateira. Sabemos que a vida foi vivida conforme nos foi possível. Estas rugas, Laurinha, são rugas de beleza! - Fez um sorriso na minha direcção.
Fazia-lhe festas nas mãos. A história tinha acabado. Ou pelo menos nas outras vezes acabava assim.
Foi quando me preparava para a deixar que ela me disse:
Foi quando me preparava para a deixar que ela me disse:
- Aproveite a sua beleza, menina. Porque nascemos com a beleza que Deus nos dá e morremos com a que merecemos.
Aquilo comoveu-me. Fitei-a, admirada.
- Estou muito sábia, não estou? - Perguntou-me a D. Idalina sorridente. - Li isso algures numa revista.
E riu-se. Um riso cheio de vida. Cheio de vivências. Cheio de orgulho.
Dei-lhe um beijo e despedi-me, convencida de que tinha aprendido mais uma lição.
Comentários
:)
Beijinhos
Ontem, com um amigo, conversei sobre a vida, sobre o facto dela passar por nós ou nós por ela e são nestes pequenos gestos, nestas pequenas vivências que a diferença se vê!
Ainda bem que partilhas as tuas vivências connosco minha querida Cakau! :') Acredites ou não são sempre um alento e mais um abanão para nos acordar para a verdadeira essência da vida.
Um beijinho e um xi bem, mas bem apertado! [*]
Espero que o dia da Revolução esteja a ser bem passado e que o resto da semana corra igualmente bem.
Jinhosssssssssss
Amei este teu post, é lindo e só te posso dar os meus parabéns e felicitar-te por teres um trabalho onde podes encontrar pessoas maravilhosas.
Desejo-te um fim de semana magnifico e uma semana ainda melhor cheia de luz em teu lindo e doce coração.
Bjokas mil e xi - corações.
quando os textos são assim, nem vale comentar, para não estragar :)
jinhos
por muito que possamos viver, todos os dias aprendemos algo,
Obrigada pela partilha das tuas vivências.
Jinhos fofos
Isa
Espero que estejas bem.
Gostei do post. Muito bom!
Beijinhos,
Obrigada por partilhares estas lindas palavras... assim aprendemos todos!
gostei de ler-(te). beijos
BShellº0º0ººº0º0º0º0ºº0ºº0º0º0º0º0º
Espero que esteja tudo bem contigo, pois passei aqui para te visitar e não te encontrei como é habitual, talvez me tenhas habituado mal, mas adoro ver-te.
Desejo-te um maravilhoso fim de semana e uma semana cheia de luz em teu coração.
Bjokas mil e xi - corações.
o texto, as palavras, a D. Idalina e você... tudo lindo mesmo. forte! ;)
muito bem escrito.