Inversão espacial


Pegou no portátil e na pasta de trabalho rumo a mais um dia de trabalho. A irritação que o trânsito lhe causa e o facto de o rádio lhe devolver músicas e discursos que só apelam a desgostos amorosos e a tristezas diárias, fizeram-na encostar o carro e respirar fundo. Uma vez. De há uns dias para cá sentia-se pressionada. Duas vezes. Tinha a impressão que todos esperavam demasiado dela. Três vezes. Sentia-se presa às obrigações, sem tempo para fazer o que queria. Quatro vezes. Os dias passavam a correr e as noites eram flashes de ideias que teimavam em não dar lugar ao sono. Cinco vezes. Precisava parar ou ainda ficava doente. Seis vezes. Calma, precisava de calma. Sete, oito, nove, dez vezes. Depois de explodir emocionalmente e de se acalmar, fez inversão de marcha e voltou para trás, de regresso a casa.
Trocou a roupa, fechou o escritório à chave para não ter um impetuoso peso na consciência, preparou uma bebida fresca e pegou num livro. Abriu a porta do jardim e contemplou-o como não o fazia há muito tempo. Colocou a sua rede de descanso e deitou-se. Ali ficou, embrenhada numa história de ficção, contemplada pelo silêncio e pela tranquilidade de, naquele dia, não ver ninguém e não aturar a agitação rotineira.
Ali ficou, como se não houvesse mais nada a fazer. Até o corpo e a mente dizerem que já estavam recuperados.

Comentários

A disse…
as saudades são recíprocas! :)

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