Redes sociais que de social têm pouco


Sendo nós seres sociais, o estabelecimento de relações interpessoais e afetivas é inevitável. Na maioria das relações que estabelecemos (se não todas!), há uma fase de enamoramento (não no sentido romântico e apaixonado do termo, mas no sentido de cativar). As mais bonitas amizades com pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes têm esta fase que permite diferenciá-las das demais. No entanto, embora alguns de nós tenhamos consciência de que a amizade é uma forma de amor pura e vitalícia, outros não são capazes de perceber isso ou, a determinada altura, misturam a amizade com qualquer relação de carácter romântico. 

Numa era em que as tecnologias nos privam de uma vida natural e sadia e nos fazem esquecer da infância feliz que tivemos, dos joelhos esmurrados e dos puxões de orelhas por termos feito travessuras, a maneira como estabelecemos novas amizades sofreu algumas alterações. Hoje em dia confunde-se frontalidade com dizer tudo o que apetece à distância de um telefonema, de um monitor de computador ou de uma SMS. E quando as pessoas se encontram pessoalmente, as conversas deixaram de ser profícuas para passarem a ser banais, e a dita frontalidade é apenas uma máscara ou uma vincada falta de educação (“porque tudo o que eu tenho a dizer, digo na cara”, ainda que esse ‘tudo’ seja apenas baboseiras sem sentido de alguém com um ego problemático). 

As pessoas pedem-nos “amizade” nas redes sociais. Aceitamos esses pedidos por motivações diferenciadas (e.g., são pessoas que até conhecemos, são potenciais contactos profissionais, são possibilidades, são cortesias, são números que revelam o quão popular se é). Tenho mais de 1000 contactos no meu perfil pessoal. Porquê? Porque encaro as redes sociais como isso mesmo: uma rede de contactos que me ‘aproxima’ de outras pessoas, sob o ponto de vista pessoal e profissional - e somente isso - pelo que, as minhas partilhas no mural devem ser conscienciosas e feitas de acordo com o grau de envolvência que tenho. Dessa forma, divido os contactos por grupos (amigos, conhecidos, contactos profissionais) e restrinjo as publicações a quem quero restringir. Desse universo de 1000 e poucas pessoas, conheço ou não conheço pessoalmente 79%; 20% são pessoas com quem me cruzei e/ou mantenho contacto na vida real, e apenas 2% são meus familiares ou amigos. E considero ‘amigas’ as pessoas com as quais tenho um tipo de ligação não-romântica, valiosa e que dá um sentido verdadeiro à minha existência, porque não há cobranças nem expectativas irrealistas. Há apenas partilha (por vezes, troca de argumentos em discussões acirradas, mas produtivas e nunca ofensivas). 

Uma das falácias das redes sociais é a de que nos conhecemos a todos. Isso acontece porque não temos filtros e espalhamos a nossa vida. A partir das publicações, sabemos onde fulano foi passar férias, o que fez no fim de semana, com quem esteve, etc.. A privacidade deixou de ser o desejável para se tornar um privilégio ou uma coisa ultrapassada. Depois queixamo-nos de que as pessoas não fazem mais nada senão olhar para a vida umas das outras. Irónico, não? Porque somos nós que fomentamos essa coscuvilhice! De que nos queixamos, então? Como diz o ditado popular “quem está à chuva, molha-se”. 

Outro revés das redes sociais é a necessidade imperiosa de se fazer amizades e de se fomentar encontros. Parece que ninguém está satisfeito com a vida que tem, embora se faça questão de partilhar imagens maravilhosas de uma vida que esconde vulnerabilidades. Mas ninguém precisa de saber disso. O que importa é que os outros vejam o nosso sucesso e o nosso bem-estar! Mas depois, algum tipo de insegurança bate à porta (geralmente pela calada da noite), e são nessas alturas que queremos testar as nossas capacidades de sedução ou simplesmente colmatar carências e/ou validar sentimentos sobre nós próprios (procuramos que os outros nos digam o quão atraentes e interessantes somos, o quão competentes, o quão maravilhosos...). As redes sociais aumentam egos e criam ilusões e fantasias. Potenciam expectativas e revelam o pior de nós, se não soubermos exatamente quem somos, o que queremos e porque usufruímos destas redes sociais - que também têm vantagens. 

Tudo o que é edificado a partir destes contactos fortuitos e mantido dessa forma, não tem espaço para crescer na vida real. As imagens criadas em torno de pessoas que julgamos ser fantásticas é uma espécie de castelo de cartas que vai cair (cai sempre!) mais cedo ou mais tarde. Os sentimentos que se geram com trocas de mensagens são apenas uma reação àquilo que o nosso íntimo deseja - da mesma forma que vêm, vão-se embora se não houver o cuidado de continuar a cativar. Isto é exatamente uma réplica do que acontece na vida real. Só que na vida real, investimos tempo de qualidade com as pessoas; e na vida virtual perde-se tempo e energias a criar idealizações que não passam disso mesmo. 

Há quem diga que, sendo a média de idade de 71 anos, passamos cerca de 22 anos a dormir. Pergunto-me quanto tempo de vida as nossas crianças, os nossos jovens e nós, adultos, perdemos nestas redes que nos tornam pseudo-sociais. 

 A fórmula de cálculo é simples. O resultado é assustador.

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