Escrever cada linha da nossa vida: o desafio vitalício


A vírgula dá o sentido de continuidade à vida. Pausas curtas, ideias encadeadas, enumerações sucedâneas. Atrás de uma experiência, vem outra. Dia após dia, novas aprendizagens e vivências a serem acrescentadas à nossa existência. Novas descobertas e desafios, novas formas de ser e de estar.
No lugar certo, a vírgula é poderosa. Se colocada no lugar errado, torna-se equívoca, provocadora e falaciosa. Geralmente começa-se a usá-la de forma sábia à medida que vamos envelhecendo, porque sabemos que ela só é imprescindível em alguns momentos, tornando-os mais valiosos.
O ponto final, por seu lado, é categórico. Determina o fim de uma ação e pressupõe o início de outra. Não é dúbio. Exerce o seu direito de encerrar um assunto quando assim o entende. É uma pausa concreta, definida, propositada. A sua inexistência torna a interpretação mais difícil e pode levar a erros maiores.
Na vida, há pontos finais que custam a colocar. Queremos que a história continue, queremos que o livro continue a ser escrito com a mesma caneta e com os mesmos personagens. Colocar um ponto final pode ser doloroso. Deixar o que ficou para trás pode trazer alguma amargura e desconforto. Especialmente pelas memórias que proporcionaram.
O ponto final aliado a um parágrafo é ainda mais incisivo. Num novo parágrafo, uma nova ideia começa a ser escrita. Sem nos apercebermos, vamos orientando a nova história, conscientes de que os erros do que foi escrito antes não devem ser repetidos. Nesta nova oportunidade, deveremos ter um cuidado redobrado para que a bagagem que trazemos não se torne um estorvo, mas que seja nossa aliada e nos faça evoluir.
Já as reticências, ah, as reticências... São cheias de mistérios e de possibilidades! Nada encerram, deixam tudo em aberto. Incitam o pensamento criativo. Permitem-nos imaginar.
Criam-nos dúvidas. E se...? Esta pergunta aberta pode ser extremamente enervante e levar-nos à loucura. Ou pode ser estimulante na procura de respostas.
São igualmente poderosas, embora o seu uso deva ser comedido. Não queremos dar uma aura demasiado misteriosa porque isso pode surtir o efeito contrário ao desejável e, ao invés de atraentes, tornamo-nos inacessíveis. Por outro lado, devemos apimentar algumas situações com elas, porque convida os outros a quererem descobrir um bocadinho mais.
Ainda assim, há que ter algum cuidado. Demasiadas reticências podem fazer-nos perder o encanto e revelar dúvidas, não passando, por isso, de pontos finais indecisos e inseguros.
As interrogações constantes e as exclamações esporádicas dão um brilho especial à nossa existência. Embora sejam responsáveis por elevadas doses de expectativas que saem (quase) sempre goradas, a verdade é que, graças a elas, tornamo-nos mais resilientes e ávidos de viver. Dá-se mais importância a cada momento e menos importância ao que só serve para nos desviar do nosso caminho.
 Escrever cada linha da nossa vida é um desafio vitalício, porque nunca conseguiremos atingir a perfeição. Nunca passará de um esboço. Cada vez melhor, mais aprumado e mais rico, mas não deixa de ser um esboço. E como tal, deve ser encarado como uma primeira edição, valiosa e escrita sem filtros.

© Laura Alho

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