Onde os olhos cansados repousam


À noite soltam-se os demónios e dá-se vida aos fantasmas. O corpo reclama por descanso, mas a mente diz-lhe para ter calma porque ainda há trabalho a fazer. Uma espécie de tortura que faz o peito apertar e a ansiedade instalar-se languidamente.
À noite, a vida parece ficar suspensa e o silêncio quase se torna ensurdecedor porque os pensamentos, aprisionados e adiados durante o dia, clamam desesperadamente por atenção. Querem sair para dar lugar a outros, mais leves.
À noite, o império da escuridão manifesta-se. O céu transforma-se numa tela de pontos de luz, alguns já inexistentes, outros novos. A terra respira. As células regeneram-se.
De olhos fechados, esperas que o sono chegue, mas ele demora-se. O coração inquieta-se ao ouvir a maquinaria da mente em plena atividade. Mexes-te e mudas de posição na tentativa de quebrar o funcionamento dessa máquina. Nada se altera. Como que a testar a tua resiliência, a atenção dirige-se para os estímulos mais perturbadores. Seleciona precisamente aqueles que vão atrasar a vinda apaziguadora do teu sono reparador, tornando as horas longas, angustiantes e insones. Nesse momento, sentes-te cheia(o) de coisas acumuladas: ideias, emoções, sei lá!, coisas inominadas... Precisas de libertar-te delas para que o sossego chegue. Mas como?
Embala-te. Deixa que tudo te contagie, que o teu corpo sinta toda a tristeza e dor que tentaste evitar a todo o custo. É melhor assim... Esvazia, sente e deixa passar.
Agarra-te à almofada, a tua melhor confidente. A que absorve calmamente todas as tuas lágrimas: as de tristeza e as de alegria. A que não se queixa quando a apertas com demasiada força ou quando a mandas contra alguma coisa. A que te acomoda e conforta o espírito inquieto. A que faz a transmutação alquímica de uma noite angustiante para uma manhã renovada.
À noite, sentes tudo com mais intensidade, apenas porque estás finalmente contigo e não tens muitos distratores. Sentes o coração apertado? Chora. Sentes o coração rejubilar? Sorri até te doerem os músculos da cara. Sentes que estás prestes a explodir? Implode.
O mundo não espera que fiques bem. As pessoas continuam a fazer as suas vidas independentemente do que sentes. Teres o coração apertado não faz de ti uma pessoa mártir, faz de ti uma estatística. Dói saber que não tens ao teu lado ninguém que te possa compreender e afagar os cabelos, dizendo que está tudo bem. Não precisas. Só precisas do teu colo e da tua almofada. É nela que os teus olhos cansados repousam quando tudo o resto falha.

© Laura Alho

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