A ingenuidade de acreditar


Gostava de conseguir acreditar nas palavras que as pessoas proferem da boca para fora, mas são as suas ações que realmente determinam o seu carácter e as suas verdadeiras intenções. Trabalho no meio do caos humano. Identifico as fragilidades e as incongruências num piscar de olhos. Não confronto ninguém, deixo essas incoerências e pecados intencionais para a consciência de cada um. Facto é que guardo tudo para mim: o que é meu e o que não me pertence. Sou uma espécie de guardiã de histórias e de segredos alheios. Mas, quando chega a minha vez de meter cá para fora o que vai cá dentro, não sai nada - ou o que sai tem de ser arrancado a ferros. As palavras ficam presas na garganta e a profundidade dos pensamentos e das emoções ficam agarrados à alma. São os meus prisioneiros. Dar-lhes liberdade implica destruir duas crenças essenciais: a de que o outro está desinteressado em relação ao que sinto, e a de que o ser humano não é de confiança pela sua natureza de conveniência que, na primeira oportunidade, não tem pudores em ferir com aquilo que nós próprios partilhámos. Gostava de conseguir acreditar na transformação das pessoas por amor. Na magia de um sentimento que se quer livre e nobre, mas que nos enclausura e sufoca em momentos de incerteza e de abandono. É talvez a experiência mais desafiadora e ambígua de todos nós: amar sem esperar nada em troca. Mas como somos todos seres com as mesmas necessidades de vinculação, queremos amar e ser amados na mesma medida. Logo, tem de haver uma troca, não é verdade? Gostava de acreditar nos abraços apertados e sentidos e nos gestos de carinho que me dedicam. E, mais ainda, gostava de prolongá-los indefinidamente. Gostava de senti-los genuínos e personalizados. Não gosto de ter atenções iguais aos outros. Serei egoísta neste pensamento? Com certeza que sim. Mea culpa... Também gostava de poder ter uma varinha mágica para curar as minhas dores e as dos outros. De tocar no coração de quem, por experiências anteriores sofridas, tem feridas como eu tenho. Algumas que estão tão bem escondidas que se tornam inexistentes aos olhos dos outros. Talvez sejam essas que me impeçam de acreditar e, por consequência, de mantê-las em clausura, generalizando esse comportamento para tudo o resto. Não sei o que a vida me reserva, mas gostava de conseguir acreditar que tenho um percurso feliz para trilhar. Que ainda tenho uma vida longa e abundante pela frente, da qual me orgulharei sempre. A maior ironia é que acredito em tudo o que gostaria de conseguir acreditar: acredito nas palavras que os outros proferem, acredito na transformação por amor, acredito nos abraços e gestos de ternura para comigo, e acredito que a minha varinha mágica é simplesmente fazer o melhor pelos outros. Ainda que não seja reconhecida, pelo menos não me posso acusar de não ter feito tudo o que estava ao meu alcance. Só que nem sempre o meu tudo é suficiente. Acredito, sim, até que o momento em que a desilusão me volte a abraçar e me sussurre que não vale a pena continuar a ser ingénua. E é nesse momento que me apercebo que não adianta lutar contra mim mesma: continuarei a escolher acreditar em finais felizes. © Laura Alho

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