Medo de sentir: o travão da vida
No meio deste caos mundano e emocionalmente
desgastante, escolho sonhar. Sou um ser humano com tantas qualidades e
talentos, e com outras tantas imperfeições aprendidas e até aperfeiçoadas. Sou
aquilo que absorvo e que alimento e, admito, que às vezes dou alimento a ideias
desconexas. Penso em demasia e sinto ainda mais. Por vezes, não quero sentir. É
demasiado para suportar. Outras vezes, não quero pensar. É demasiado para
controlar e assimilar. Treinei-me ao longo dos anos para observar e decifrar
possibilidades. Essa é a minha maior destreza e o meu maior handicap.
Sentir é acordar todas as células
existentes no meu ser, inclusive a mais preguiçosa e adormecida. Pensar é
procurar dar um sentido a cada emoção experienciada, mesmo que esse sentido seja inexistente.
E quanto mais penso, mais a rede se adensa, mais atividade neurológica existe
nesta minha massa cinzenta que tem tanto de mágica como de assustadora.
A verdade é que nem a racionalidade
nem a emocionalidade são prejudiciais. O que realmente pode atrapalhar os
sentidos e sentires é o medo. O medo de perder o controlo, de não ter
explicações lógicas, de não haver um motivo para o que se está a
viver. O medo de entrar num caminho sem retorno onde cada experiência será
única e incomparável e se dá o salto para o desconhecido. O medo de
chegar a um fim. De se ser rejeitado. De não dar certo. De perder tempo de
vida.
O medo é o maior fantasma do Homem.
Impede de arriscar, de sair fora da zona de conforto, de sentir a vida pulsar
dentro de nós.
Tenho medo. Um medo que até consigo
compreender mas que quanto mais tento fazê-lo, menos bem-sucedida
sou. É uma espécie de bactéria que se multiplica e se expande pelo meu sangue,
até tomar de assalto todo o meu discernimento. Envenena os meus pensamentos.
Faz-me acreditar que estou sob controlo, mas a verdade é que apenas delimita as minhas ações e impede que a vida aconteça na sua plenitude. E é só quando levo um balde de água fria
que o medo parece dar tréguas e a lucidez volta a espreitar. Preciso de um safanão forte para perceber que me estou a proteger do que, na realidade, me faz bem.
Tenho medo de dizer o que sinto,
por achar que me estou a expor. A exposição revela vulnerabilidades. É como ter o coração
palpitante pronto a levar um tiro. Quem, no seu juízo perfeito, quer levar um
tiro e consegue voltar ao seu estado original? Ninguém. É bem mais fácil protegê-lo
sob muralhas e escolher o que entra e o que sai, em doses certas, como se de
uma receita culinária se tratasse.
Depois de algumas investidas bem feitas, a
muralha acaba por cair. O coração expõe-se. As fragilidades intensificam-se e os sentidos
estão no seu alerta máximo. Tudo o que é novo faz as emoções aflorarem na pele.
Apetece fazer tudo, mas não se faz, porque o medo espreita. Apetece dizer aos
sete ventos que a vida é bela ao lado de quem gostamos, mas o silêncio
prevalece porque o medo da rejeição é proporcional à intensidade da felicidade.
Apetece sentir, mas parece que o coração ficou reprimido tempo demais e qualquer emoção é demasiado forte para suportar. Vem o choro fácil, o riso
fácil, os olhares apaixonados, os olhares amedrontados, a esperança de um algo
maior, a fé misturada com a expectativa de um amanhã incerto, cada vez mais
certo. Porque a verdade é que, aconteça o que acontecer, algo vai mudar.
Eu, que sempre vivi com
intensidade, que nunca nenhum desafio colocou em causa a minha integridade e
sagacidade, que nunca me deixei abalar por vicissitudes e dificuldades de
nenhuma ordem, tenho medo de um sentimento nobre? Parece surreal, mas é a realidade. Sei que não posso
privar-me de nada nem de ninguém com medo de perder. Já estou a perder ao privar-me de viver. Já
estou a aprender, graças a esse sentimento desmedido que teimo em enclausurar. Mas ele é tão teimoso quanto eu...
Quero libertar-me
destas amarras autoimpostas. Quero sentir mais, viver mais, rir mais, beijar
mais, amar mais, conversar sobre coisas com e sem sentido, brincar, provocar,
dizer o que vai cá dentro mesmo que ainda não encontre as palavras certas para
fazê-lo. E se me sentir frágil e começar a chorar, não vou temer nem recuar. A
vida é uma luta. Ou recebo o conforto necessário para seguir em frente, ou vou procurá-lo
onde sei que o vou encontrar. E quando o amor espreitar, tímido, irei cuidar
dele e aproveitar cada momento. Não vou ficar apenas na vontade. Porque só a
vontade, sem ação, é um mero “talvez” que, num futuro próximo, se torna num
amargo“e se…”.
Medo? Tê-lo-ei. Mas em vez de estar
dentro de mim, estará lado a lado. A acompanhar-me e a ver-me viver. Será o
medo, afinal, um impulsionador?
No meio deste meu mundo de emoções,
escolho sonhar. Com um amanhã risonho.
© Laura Alho
© Laura Alho
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