O amor e os demónios da mente



Todos temos demónios dentro de nós. Tentamos ignorá-los mas é completamente inútil. Quanto mais os tentamos ignorar mais eles se fazem notar. E só há uma pessoa capaz de controlá-los.
Queremos parecer normais. Queremos que as pessoas acreditem na imagem que criámos de nós próprios, no perfil positivo e altamente atraente que projetamos social e virtualmente. Queremos ser super-heróis humildes nesta sociedade de máscaras, subterfúgios e contradições. Não nos desviamos dos guiões que consideramos ser os mais adequados porque alguém pode estar a ver e a julgar. E quando nos desviamos, é entre quatro paredes, em que as testemunhas são apenas os intervenientes ativos. O resto do mundo não precisa de saber.
Ser-se fiel a alguma coisa é um arrojo. Ninguém pode ser fiel a algo que não se pratica nos dias de hoje. Ninguém pode ser fiel a princípios e crenças se elas estão constantemente a mudar de acordo com o que nos é conveniente. Hoje fazes-me falta, amanhã não sei. Tudo é assim: fugaz. Vivemos numa realidade de efemeridades, de pessoas descartáveis, de labirintos de espelhos.

Sofremos de ambiguidades. Sofremos porque queremos mais do que aquilo que nos é oferecido. Queremos reciprocidade acumulada. Já não nos basta a reciprocidade simples, de atos e gestos altruístas, de surpresas, de mensagens a meio da noite ou do dia, de demonstração de saudades e de amor espontâneas. Não. Já é necessário que o outro se esforce mais e que mostre que é digno da nossa presença e do nosso amor. É necessário que o prove constantemente e que tenha uma determinada forma de se comportar. Queremos ser bajulados, porque isso dá-nos controlo. Será isso amor por encomenda? Haverá um catálogo em que se escolhe o que se quer? Será isso amor, sequer, ou antes a nutrição desregulada de um ego carente?
Não será o amor uma construção diária? Mede-se o amor apenas pela quantidade de coisas boas que nos proporciona ou deverá medir-se também nos momentos em que o outro está no seu pior? Ninguém está feliz todos os dias. Existem dias em que o outro está insuportável, em que parece um cubo de gelo. O que fazer nesses dias: desistir ou permanecer? Fechar a porta e desejar que a pessoa volte ao normal ou agir com naturalidade e proporcionar momentos de ternura, mesmo que ela não seja recíproca nesse dia? E quando formos nós a estar no nosso pior. Como queremos que ajam connosco?

Sofremos por amor e pela falta dele. Quando o sentimos parece tudo tão simples e, no entanto, à medida que o tempo passa, vemos que ele exige trabalho, sacrifícios, ajustamentos. Quando há ausência dele, sentimos a sua falta. Queremos alguém que nos compreenda, que nos mime, que cuide de nós, que esteja presente, que não nos chateie a cabeça, que preencha os nossos vazios, que nos proporcione prazer, que nos estimule, que nos incentive, que confie em nós e que nos dê espaço. Uma vez mais questiono-me: em que catálogo podemos encontrar tudo isto? Em nenhum. Esta complementaridade só existe com tempo, dedicação e vontade.

Sofremos com as ausências e as distâncias. Quanto tempo é suportável estarmos sem notícias de quem amamos? Duas horas? Dois dias? Faz sentido, sequer, estar sem notícias? Quanto tempo é suportável estarmos longe um do outro? Não é a distância física que separa as pessoas, é a distância emocional, que só existe na ausência de amor, quando a indiferença ocupa o seu lugar.

Sofremos pelo desconhecido. Como sabemos se amamos? Será uma questão meramente química ou será uma questão de escolha na matriz de custo-benefício? Se calhar não sabemos amar, mas queremos ser amados, porque é uma necessidade primitiva do ser humano. E como será o "nosso" amor daqui a dois, cinco, dez anos? O desconhecido assusta quem faz planos a longo-prazo. Ama-se e pronto.
Amar é um verbo de ligação. Significa permanecer, lutar, unir, enlaçar. Não é garantido, é uma conquista diária. Se não tiver alimento, simplesmente transforma-se. Nenhum amor sobrevive à falta de demonstração e de cuidado.

Todos temos demónios dentro de nós, prestes a colocar em causa tudo o que foi construído com carinho e investimento. É tão fácil destruir! É tão fácil saborear o momento sem pensar no depois. É esse o poder dos nossos demónios: criar a ilusão de que somos impunes e imunes. Eles fazem parte de nós e só há uma pessoa capaz de controlá-los. Só uma.

© Laura Alho

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