O toque de Cronos


Observo as pessoas à minha volta e consigo perceber, numa tarde solarenga de domingo, que existem três tipos de pessoas no mundo: as que se preocupam em viver, as que se preocupam a passar o tempo, e as almas errantes, que andam perdidas dentro de si, e cujo propósito da sua existência elas próprias desconhecem.

As pessoas que se preocupam em viver são aquelas que acumulam mais experiências e mais sabedoria. Para elas, os fracassos são tantos quanto as conquistas. Sabem dar valor ao que acontece ao seu redor. Estão mais atentas. São mais perspicazes. São emocionalmente mais inteligentes e preparadas para lidar com qualquer desafio. Têm capacidade de resposta.

As pessoas que se preocupam em passar o tempo, são aquelas que passam metade da vida a reclamar e outra metade a olhar para o vizinho do lado, lamentando-se da pouca sorte que têm, sentando-se no sofá, orando para um Deus mudo que se recusa a enviar uma chuva de bênçãos para quem nada faz. Nada cai do céu sem esforço, sem vontade e sem ação.

As almas errantes são aquelas que não sabem como viver. Instala-se um vírus qualquer que consome o pensamento e inibe o espírito crítico. Misturam-se com a multidão, mas são pessoas solitárias, de coração vazio. Até que um dia, resolvem apagar-se de vez. Tiram de si a luz que ainda existia dentro delas, mas que se tornava cada vez mais ténue.
Todas as pessoas têm algo em comum. Todos nós temos algo garantido: um dia Cronos irá tocar-nos e dizer que a nossa hora chegou. Que é tempo de renovação. E nessa altura, deveremos olhar para trás e sentir que não nos arrependemos de ter um coração cheio de coisas e de termos uma bagagem de aprendizagens bem recheada e apetrechada.

Fragmentos: é disto que somos feitos. De vivências irrepetíveis. Cada momento jamais voltará a ser revivido no futuro. Cada abraço, cada beijo, cada afago, cada palavra, cada pessoa, cada instante. Talvez seja por isso que sejam tão especiais e que devam ser vividos com tanta intensidade.
Deixo que Cronos faça o seu trabalho lentamente. E à figura que o acompanha, sorrateira e fugidia, ilustrada com uma foice nas mãos, sorrio e disparo: “Ainda não vai ser hoje, minha cara...”. Porque hoje é mais um dia de ação. De vontades, de desejos, de partilhas. É mais um dia de vida.

Recuso-me a cair no esquecimento e no desinteresse de uma vida sem sentido.

© Laura Alho

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