Que queres tu, coração?
Senti o teu
cheiro no meio do nada. Não o teu perfume, mas o cheiro natural da tua
pele. Imediatamente, o meu cérebro abriu a gaveta de algumas recordações e o
meu corpo reagiu, libertando endorfinas. Veio uma pontada de saudade, daquela que
não dói, mas que faz querer ouvir a tua voz, saber de ti, desejar que o tempo
passe rápido para voltar a reencontrar-te e apertar-te num abraço, depositando-te
beijos leves e cheios de um amor que nem eu sei de onde vem nem do que se
alimenta. Deixo-o simplesmente existir e expressar-se, até que deixe de fazer
sentido.
Sobre o
amor, sei muito. Sobre amar, pouco sei. Sobre o amor, seria capaz de escrever
uma tese e enganar os mais distraídos, ingénuos, ou os que nunca amaram
verdadeiramente. Sobre amar, sou capaz de escrever apenas um pequeno texto, que
estará sempre inacabado, porque a aprendizagem é diária e controversa.
Amar não
é sempre um idílio, é um desafio constante – talvez o maior desafio do ser humano.
Queremos, em teoria, ter aquilo que julgamos merecer, mas agarramo-nos ao básico,
ao que não dá trabalho, ao que é efémero e ao que mantém o ego aceso. Mas chega
uma altura em que começamos a pensar de forma diferente, e queremos partilhar a
vida com alguém que nos faça bem.
Existe uma
grande desinformação emocional em relação ao amor. Por um lado, as pessoas
procuram o amor para perpetuarem vinculações afetivas e preencherem espaços em
branco, delegando ao outro a responsabilidade de as fazer felizes. Mas o amor
é livre, e deve dar espaço. Embora as nossas expectativas em relação ao amor
sejam exigentes, a verdade é que, à medida que os anos passam, tendemos a
perceber que amar não é tão complexo assim, e que talvez o que nos falte seja
alimentar o amor-próprio: o maior dos amores.
Amar alguém
é um desafio. Embora o amor seja um sentimento nobre, não é perfeito. Tenho
aprendido que o amor não é apenas algodão-doce, cores alegres e filtros cor-de-rosa.
Tem dias de escuridão plena e outros de tonalidades indefiníveis.
Amar não é apenas fazer amor, beijar, abraçar, mimar ou conversar alegremente. É também aturar o
mau feitio do outro, saber lidar com os dias de reflexão e questionamento que
vão invevitavelmente surgir, e tomar decisões difíceis em conjunto. Amar não é apenas ir de
férias ou fazer programas a dois, ou em família. Não é só tecer elogios e
brincar como crianças, sorridentes e bem-dispostas. Amar é também fazer
sacrifícios, é criticar construtivamente e saber ouvir as críticas, é aceitar
que somos imperfeitos e que a relação só sobrevive com a dedicação de ambos.
Amar é saber
que vai haver dias em que vamos remar sozinhos, porque o outro está empenhado
em algum projeto pessoal que o faz estar emocionalmente mais distante. É ter
paciência nas horas complicadas e saber manter o equilíbrio quando tudo parece
prestes a desmoronar. Amar é acreditar nas potencialidades do outro, e
incentivá-lo a ser cada vez melhor e a perseguir os seus sonhos, mesmo que isso
implique mais abdicações. Amar é mostrar que nos importamos com o que o outro
faz. É mostrar aos outros o quão orgulhosos estamos pela pessoa que temos ao
lado. É não ter vergonha de demonstrar quão importante é esta pessoa para nós. É confiar no outro,
mesmo quando temos dúvidas. É acreditar que a realização de cada um faz mais
sentido estando juntos do que separados.
Amar alguém
é ter uma oferta tentadora de pessoas que podem proporcionar prazer imediato e,
de forma perentória, recusar essa oferta, explorando, em contrapartida, formas
de a intimidade não cair na rotina e de satisfazer as necessidades dos dois,
com respeito e com alguma travessura. É escolher a mesma pessoa, todos os dias.
Amar não é
ter sempre o coração aos saltos, de alegria e entusiasmo. Não é ter borboletas
no estômago, nem as pernas trémulas de excitação. É também sentir o peso da saudade,
o medo de perder, o ciúme comedido e a tristeza pela ausência ou quando as
coisas não correm tão bem como desejaríamos. É chorar e, ainda assim, terminar o dia com um abraço sentido e a certeza de que tudo vale a pena.
Quase parece
que amar é algo negativo, mas não. Amar dá trabalho, é uma missão ambivalente,
mas é compensadora. Faz parte do desenvolvimento e maturação do ser humano.
As
pessoas acreditam que podem viver sem amor. É uma grande mentira. Podem viver
sem alguém do seu lado a partilhar uma casa e atividades do dia-a-dia, mas
isso não é viver sem amor, é viver sem companhia. Amar, ama-se sempre, quando
mais não seja a si próprio, porque o amor é uma herança vitalícia, universal e que está no ADN.
À pergunta que me faço recorrentemente, "Que queres, coração?", a resposta é cada vez mais evidente: quero um amor que
esteja disposto a lutar por mim, que me aceite e respeite com todas as imperfeições, mas com vontade
de tornar a vida mais aprazível, consciente de que nem tudo será um mar de
rosas, mas que andaremos muitas vezes nas nuvens!
Senti o teu
cheiro no meio do nada. E o meu coração, cheio de amor, divagou.
© Laura Alho
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