Quando o coração chora, tudo o resto grita de dor.


Pode estar retalhado, completamente desfeito e exangue e, ainda assim, continua a bater, armado em orgulhoso e resistente. Pode estar desfeito e ter levado bofetadas imerecidas, mas continua a contrair-se e a relaxar, só para provar que não é qualquer coisa que o aniquila. É assim o meu coração. Tal e qual aquelas histórias de heróis em que, no final, apesar do enxerto de porrada que levou, arranja forças para desferir o golpe final e sair vitorioso. É exatamente assim o meu coração, um super-herói.

Enquanto anda entretido, tira da gaveta as suas asas e anda por aí, leve e solto, espalhando pozinhos de perlimpimpim por onde passa e em quem toca. Gosta de fazer o bem e de espalhar sorrisos. Gosta de ser afagado e de afagar o coração dos outros. Gosta de fazer a diferença num mundo onde toda a gente é igual e formatada. O meu coração é pequeno, mas cheio de tudo. E vive feliz, assim.

Há quem goste desses mimos. Há quem os retribua. Há quem se aproveite. Há quem permaneça indiferente. Há quem o queira só para si. Mas o meu coração é de todos e não é de ninguém. Não é um objeto, não é um presente que possa dar a alguém. O meu coração pertence-me exclusivamente. É um local, uma morada de residência para quem quiser ficar. É um espaço cujas portas estão sempre abertas, para entrar e para sair. Quando saem, o coração fica reticente, mas não se arrepende e não olha para trás a martirizar-se. Espera apenas que haja quem entre e não queira sair, ainda que seja livre para fazê-lo.

De vez em quando é atingido por setas envenenadas. Quando isso acontece, sabe que é uma questão de tempo até o veneno atuar. Idealiza, faz planos e idílios, que o tempo destrói ou alimenta. Mas se a seta já estiver cravada bem fundo, retirá-la vai dobrar o sofrimento. E é aí que surge o dilema: retirá-la ou deixar o veneno atuar por si próprio e derreter o coração e a própria seta que o envenenou? Em qualquer dos casos, o coração vai chorar.

E quando um coração chora, tudo o resto grita de dor.

© Laura Alho

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