Não passamos de mentes digitais, com código de barras.


Sabem esta incompetência declarada de responsabilização social? Este modo automático em que as pessoas entraram, tratando as suas vidas como se fosse um monitor de um telemóvel e vivessem deslizando o dedo pelos próximos estímulos? Vivemos numa era digital, com uma mente inadaptada.

Passamos mais tempo ao telemóvel, mesmo quando estamos em encontros sociais, do que a conviver com as pessoas. Está-se mais preocupado em pensar no tipo de fotografia a tirar para divulgar nas redes sociais, do que a aproveitar o momento. Passa-se mais tempo a planear coisas imediatas e superficiais do que a pensar em projetos a longo-prazo. Passa-se mais tempo a ver a vida a passar do que a construir algo que valha a pena.

Com as novas tecnologias veio também a preguiça de pensar por si próprio e a desvalorização dos relacionamentos que temos ou que construímos. Hoje em dia as pessoas entram na vida umas das outras de forma quase imediata e, da mesma forma, desaparecem. Algumas não desaparecem de forma repentina, vão desaparecendo lentamente. Outras, simplesmente parece que deixaram de existir. Criam-se possibilidades que, já se sabe, não vão passar disso mesmo e encara-se isso como normal. Leva-se o desapego ao extremo, porque é um termo que está na moda e não se percebe o que é exatamente, e grita-se aos sete ventos que "as emoções são tuas e tu é que te iludiste e, como tal, deves gerir as tuas emoções e saber retirar as tuas próprias ilações". Tão fácil usar este argumento, não é?

A desresponsabilização - ou desapego doentio - é o reflexo da era do "tanto faz". Se não dá certo, tanto faz. Se não consegues ler nas entrelinhas a minha mensagem implícita, tanto faz. Se não consegues acompanhar-me, tanto faz. Se amanhã nos separarmos, tanto faz. Cada um segue a sua vida porque há toda uma oferta infinita para explorar, portanto, tu és apenas mais uma pessoa, por isso, tanto faz estares na minha vida ou não. Se não sou a pessoa que idealizaste, tanto faz, isso é um problema teu. Se estou a magoar-te com as minhas atitudes, tanto faz, tu é que criaste expectativas, eu apenas vivi o momento porque o meu lema é "carpe diem". Se digo coisas menos apropriadas, tanto faz, foste tu que as pediste e que as provocaste. Se não quero nada sério e apenas aproveito o que tens para me dar, é uma opção tua, tanto me faz se sofres com isso ou não. Se não te respondo às tuas mensagens é porque não quero, encara como quiseres e pensa o que quiseres, para mim, tanto faz. Se queres ir embora, vai. Tanto faz.
E "tanto faz" cansa. Chega a ser patológico. Como se chega a um ponto em que deixamos de nos preocupar com os outros e encetamos relacionamentos fugazes, deixando de saber o que se quer para a própria vida?

Esta é a era que se preocupa mais com os corpos bombados do que que a mente sã. É a era da comparação e da competição pelas melhores fotografias, com as melhores companhias, na sua melhor forma, nos melhores locais, com a imagem envernizada que pouco tem de verdadeira. As pessoas perdem tempo a montar cenários, em vez de investirem no seu autoconhecimento e na forma como podem ser úteis a uma sociedade cada vez mais focada no "eu". Um "eu" pequenino que querem exacerbar porque é a única coisa que conhecem e que sabem fazer.

Somos todos responsáveis por esta desresponsabilização social e emocional a partir do momento em que a aceitamos como normativa, porque existem inúmeros "influenciadores" a dizer-nos o que fazer, o que visitar, o que comer, que marcas usar, o que responder a alguém quando nos diz determinada coisa, que jogos psicológicos levar a cabo para conquistar a pessoa mais difícil do mundo, o que fazer para descobrir se o(a) parceiro(a) trai, entre outras estupidezes do género.
Não devemos viver em função dos padrões que nos vendem como sendo os mais certos. O que é certo para mim, pode não ser para outra pessoa. Mas só porque alguém nos diz que o resultado é fabuloso, nós aceitamo-lo como verdadeiro, e passamos imenso tempo a ver a vida fabulosa dos outros e a desejar que ela nos chegue com as dicas incríveis que nos dão.

Ter-nos-emos tornado acéfalos e perdido a capacidade de pensarmos por nós próprios? Já não teremos discernimento suficiente para sabermos o que é melhor para nós? O que é que nos falta para, tão desenfreadamente, procurarmos nos outros respostas aos nossos dilemas?

Talvez o alimento que damos ao corpo não seja proporcional ao que damos à alma. E quem perde, não é apenas uma pessoa. Somos todos nós.
Não passamos de mentes digitais, com código de barras.

© Laura Alho

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