Estás diferente.


Numa espécie de tentativa de diálogo ocasional, aparece aquela famosa expressão "estás diferente". Ecoa e quebra temporariamente o silêncio um pouco constrangedor, até a resposta surgir, também ela pouco original e que não trará nenhuma reação diferente do outro lado: "diferente como?". Sem demorar muito, lá vem ela: "não sei, diferente".
O meu cérebro rapidamente começa a falar, embora a minha voz permaneça muda.
Se for porque já não largo tudo o que estou a fazer para correr atrás de quem tem apenas cinco minutos de atenção dividida para me oferecer, sim, estou diferente. Se for porque já não quero saber de histórias passadas e julgamentos envenenados que só reforçam a minha opinião sobre alguém, sim, estou diferente. Se for porque já penso duas vezes se o tempo e a dedicação que dispenso a alguém vale a pena e está na minha lista de prioridades, sim, estou diferente. Se for porque já digo "não" mais vezes, porque já me calo para não discutir com quem não sabe discutir, ou se for porque me meto em primeiro lugar depois de ter metido todos os outros à minha frente, podes crer que estou mesmo diferente!
Chega sempre aquele momento em que percebemos que é quando deixamos de dar aos outros aquilo a que estão habituados, que eles sentem a nossa mudança. As pessoas pensam que estamos ali imóveis, que a fonte é inesgotável, e que o conforto da nossa presença é uma espécie de garantia vitalícia, porque os sentimentos que nutrimos são fortes e duradouros. Até podem ser... Mas as certezas mudam de lugar rapidamente, assim o queiramos. E quando a visão se torna límpida e a balança está constantemente desequilibrada, os sentimentos trocam entre si.
Tens razão. Estou diferente. Já não cabia na mesmice de sempre, nos mesmos encontros de sempre, no mesmo padrão de pessoas de sempre, com as mesmas palavras de sempre, sem visão de futuro, e com histórias de novelas mexicanas com um toque apimentado de canal Hot, onde todos se trocam, são enteados ou melhores amigos que convivem um ambiente utopicamente saudável de Big Brother. Aquele tipo de vivências, ora dramáticas ora romanceadas, que nos remetem para uma adolescência burlesca, sabem?, com a única diferença de estarmos quase na meia idade...
Sim, estou diferente. Não quero nada disso para mim. Voltei a firmar a minha identidade, voltei a equilibrar a balança. Tanto invisto como desinvisto proporcionalmente. Perdi o interesse e não tenho paciência para provar nada a a ninguém. Tento não alimentar grandes expectativas, além daquelas cujos objetivos me digam exclusivo respeito.
Olhei para aquela pessoa, representativa de tantas outras com quem me tenho vindo a cruzar, e a única coisa que consegui pronunciar depois deste monólogo interno foi: "ainda bem que estou diferente".
Odiaria ser a mesma pessoa de há um, dois ou três anos atrás.

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