Esperanças inférteis levam a atitudes de mudança



O ser humano tem uma tendência particularmente insistente em criar cenários mentais e em ignorar as evidências. Vê coisas onde não existem e ignora ver quando elas realmente estão lá, à frente do próprio nariz.
Uma coisa é a idealização que fazemos da realidade, de como gostaríamos que ela fosse. Outra coisa é como ela realmente é. Aceitar que criámos uma história de encantar que só existe na nossa cabeça pode ser uma experiência extremamente dolorosa. Essa confrontação entre o que queríamos que fosse e o que é, de facto, pode representar um embate bem forte no nosso ser, deixando-nos doridos, desesperançados e em sofrimento durante um determinado período de tempo, tendo implicações na própria saúde mental e física. Tudo porque nos recusamos a desapegar de uma ideia que não passa disso mesmo. E quanto mais nos agarrarmos a ela com a falsa esperança de que algo irá mudar, eventualmente, mais cicatrizes estamos a criar em nós. São auto-flagelos intencionais.

É difícil aceitar que estamos errados. Mais depressa delegamos a responsabilidade nas outras pessoas ("se ele(a) não fosse assim, as coisas seriam diferentes"). Sim, seriam diferentes. Da mesmo forma que seriam diferentes se aceitássemos que aquilo que sentimos é nosso, e por vezes alimentado e retro-alimentado exclusivamente por nós mesmos. Esta ideia de que os outros têm que completar-nos e colmatar as nossas falhas é o ato mais puro de desresponsabilização individual e um claro sinal de que algo não está bem internamente. É por isso que as migalhas que nos oferecem de vez em quando parecem ser suficientes para alimentar as nossas esperanças vãs. 

Quanto mais tempo estivermos nessa cegueira emocional, mais difícil é aceitar que estivemos ou estamos errados. Como pude ser tão cego(a)?, é a pergunta que nos bombardeia a mente, com disparos acutilantes de culpa no ego - uma espécie de autovitimização ancestral. Mas reparem, a cegueira só nos deixa sem ver durante um período muito curto de tempo. A determinada altura surgem os sinais (que eu gosto de chamar de evidências) e o que é que fazemos? Simplesmente ignoramo-los, tendo como pano de fundo uma possível alteração no curso natural das coisas. Recusamo-nos vê-los porque pensamos que, ao deixar fluir, a dita felicidade estará muito próxima. Mas, meus caros, por mais que queiramos mudar alguém, não nos compete a nós. A pessoa só muda se tiver vontade e se estiver disposta a mudar. Enquanto se achar feliz com o que é e com o que faz, por mais contrário e controverso que possa ser em relação aos nossos próprios valores e posturas na vida, não nos cabe a nós julgar nem incitar à mudança. Se a pessoa não muda é porque está bem e isso é um claro sinal de está na altura de aceitarmos esse facto e de não querermos ser o(a) salvador(a) dessa pessoa que não precisa sequer de salvação. Além disso, se não é compatível connosco, se nos causa sofrimento e se não há reciprocidade de afetos, percursos em conjunto e objetivos de vida comuns, há que repensar o caminho.

Faz parte do crescimento pessoal aceitar que também somos imperfeitos e que há esperanças inférteis e são estas que levam a atitudes de mudança. Há sementes que, por muito que as cuidemos e desejemos, nunca chegam a florir. Há outras que só florescem no momento certo e, a acontecer, podemos não estar lá para assistirmos. Se estivermos, será um momento de sincronia perfeito. Mas diz-me a vida que esses são raros e também têm prazo de validade. Há que viver, então.

@Laura Alho

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