O verdadeiro legado



A vida está constantemente a dar-nos oportunidades de mudança, mas nem todos encaramos essas oportunidades de mesma forma. Para muitos, nem sequer é uma oportunidade, é antes uma chatice, um contratempo, um inconveniente.

Em momentos de crise, que exigem uma postura de adaptação constante e célere, as pessoas são obrigadas a se redefinirem a si próprias e à lista de prioridades.

Nestes últimos dias tenho ouvido muitas queixas de que estar em casa com os filhos e o/a respetivo/a companheiro/a é uma tarefa hercúlea, um enorme sacrifício, uma verdadeira dor de cabeça crónica. E é aqui que faço a pergunta dos 10 milhões: o que está errado neste discurso? É uma tarefa hercúlea estar com a família, a de origem e a que escolhemos? Pode ser desafiante, mas jamais poderá ser um sacrifício.

E isto leva-me a uma questão basilar: os afetos. A vida que levamos é tão agitada e desengonçada que os afetos diários passam a ser circunscritos a dois cumprimentos diários (bom dia, boa noite) e à partilha de refeições e espaços comuns. As pessoas correm contra o tempo pelas coisas erradas. Cai-se na rotina. Cai-se no aborrecimento. Prefere-se estar ao telemóvel e a partilhar mil coisas feitas para agradar estranhos do que estar simplesmente presente onde mais é necessário.

O exagero de qualquer coisa leva a ruturas. Mas a maior de todas elas é a rutura entre quem somos e quem achamos ser aos olhos dos outros.

As pessoas saturam-se. Gritam umas com as outras. Perdem a paciência facilmente e refugiam-se em redes sociais que dão uma sensação de conforto e abstração em relação ao que se está a passar em casa.

As redes sociais têm este efeito fabuloso de, em momentos como o que estamos a passar, aproximar as pessoas e diminuir distâncias que nos foram impostas para protegermos quem mais amamos. E falamos de amor de boca cheia nas redes sociais, quando nem sempre ele é demonstrado em casa.

Sabe o que pode fazer para que as coisas melhorem e os afetos prevaleçam? É simples. Tão simples que é inacreditável.

  1. Apaixone-se pela pessoa que você é. Apaixone-se pela vida. E volte a apaixonar-se por quem está ao seu lado. Para estar bem com os outros, precisa de estar bem consigo próprio/a. Esta é uma excelente oportunidade para voltar a conhecer-se.
  2.  Amar os outros não deve ser uma obrigação. Deve ser o instinto natural. Se se queixa da vida que tem e que são todos insuportáveis, provavelmente o problema não está nas outras pessoas. Está nas suas decisões, está em si.
  3.  Superar desafios em família, permite estreitar a relação, se todos estiverem a remar para o mesmo sentido. Se cada um rema de forma descoordenada, além de permanecerem no mesmo sítio, causa fadiga. E quando nos cansamos, tendemos a desistir.
  4. Comunicar é a chave de tudo. Saber falar em momentos de crise, saber pedir ajuda, saber apontar os pontos críticos e saber definir uma estratégia, é fundamental.
  5. Não se deve culpar os filhos porque eles têm energia e não param um minuto sossegados. Não é a berrar e a dar castigos que vai fazer com que se calem. O seu sentido de responsabilidade não deve ser delegado na criança, mas em si. Se optou por ter filhos, deve assumir essa responsabilidade com consciência. Se os seus filhos são uns "diabinhos", use todo o conhecimento que tem ao seu dispor para educá-los de forma consciente. Tem esse dever e eles têm o direito de ter uma educação saudável.
  6. DAR é o exemplo mais perfeito de aprendizagem por osmose. Quanto mais amor damos aos nossos, mais eles terão vontade de dar também. E esta retroalimentação é o que torna as famílias felizes.
  7. Se se sente assoberbado/a por múltiplas responsabilidades e acaba por descontar na sua família, tente arranjar formas de aprender a gerir essas emoções e a pensar de forma clara. Tem múltiplas ferramentas e profissionais ao seu dispor que o podem ajudar se não estiver a dar conta do recado sozinho. 

A situação atual que vivemos poderá servir para fazermos uma introspeção e tomarmos decisões. É uma excelente oportunidade para nos arrumarmos por dentro. É também uma oportunidade de sermos criativos e pensarmos na vida de uma forma diferente. Esta “paragem” obrigatória pode ser, de facto, inconveniente, mas já parou para pensar como será a sua vida daqui a uns meses? Já imaginou as alterações profundas que tudo isto vai ter na humanidade, em geral, e na sua vida, em particular?
Se acha que vai continuar tudo igual, é melhor voltar a enfiar-se entre os lençóis e dormir. A vida continua.

Seja responsável, seja consciente e proteja-se a si e aos seus. Eles são o seu verdadeiro legado quando tudo o resto acabar.

© Laura Alho

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